quarta-feira, 14 de setembro de 2016

ZOAÇÃO

     Era uma vez um cara comum, com uma vida comum, numa cidade comum, que vivia numa casa comum com uma família comum. Ele tinha uma idade normal, dessas que a pessoa pode dirigir um carro, pode trabalhar, pode sair com a namorada, ir à balada ou à praia e ninguém incomoda. Mas nem sempre ele tinha namorada, por que ele não sabia, mas de vez em quando ele ficava sozinho, então ia pra balada sozinho, ou para a praia. Foi num dia assim, na praia, que ele conheceu aquele garotinho. Era um lindo menino, uns cinco anos de idade, e eles se conheceram porque a bola que o menino jogava bateu na sua perna e sujou-a toda de areia, que ficou grudada, já que ele recém tinha saído do mar e ainda estava molhado. A mãe do garotinho veio pedir desculpas por aquilo e acabou que eles não conseguiram parar de conversar. O dia lindo, o menino lindo, a mãe do menino lindo e a praia linda. Tudo perfeito e a noite começou a querer entrar naquele dia, aí eles foram embora da praia e prometeram voltar a se encontrar.
     Durante uma semana eles sempre davam um jeito de se encontrarem, sabiam que estavam só arrumando desculpas porque queriam se ver o tempo todo. E foram morar juntos, porque não seria possível se verem o tempo todo se não morassem juntos.
     O menino de cinco anos, o filho da garota, adorava o Papai Noel. O Natal estava chegando e ele queria ir ao shopping para conhecer o velho de barbas brancas e roupa vermelha. Eles então, levaram o garoto e satisfizeram seu desejo. Incentivaram a fantasia do menino, disseram que ele ganharia os presentes que tinha pedido ao Papai Noel porque era um bom menino, tinha se comportado e merecia.
     Assim, foi um Natal perfeito.
     O tempo passou, a vida foi ficando cada vez melhor para os três, eles tiveram uma menina e os dois foram crescendo junto com os filhos, em sabedoria e em amor.
     Todos os anos, o natal voltava, e eles incentivavam a fantasia da filha da mesma maneira que tinham incentivado as fantasias do filho quando aquela época chegava. E, claro, o menino continuava fingindo acreditar para não estragar a alegria da irmã.
     Mas a irmã cresceu e passou a não acreditar mais no Papai Noel. E o irmão, o garotinho, aquele, que tinha cinco anos quando conheceu o cara comum, agora tinha seus quinze e continuava querendo ir ver o Papai Noel no shopping, mesmo quando eles riam da cara dele dizendo que era ridículo, já que todos sabiam que o Papai Noel não existe. O garotinho não ouvia, não prestava atenção, não queria saber. Queria ir ver o Papai Noel e pedir seu presente. Ele acompanhava a mulher e o garoto, porque ele amava muito a todos, mas ficava muito intrigado com aquela teimosia do garoto. Em tudo o mais o garoto era normal, como os garotos normais. Mas sobre aquilo do Papai Noel, não adiantava, todos os anos era aquele tormento, a irmã do garoto nunca ia junto, se recusava a fazer parte daquela palhaçada.
     Numa daquelas vezes, quando o garoto já tinha completado seus vinte e um anos, aconteceu a surpresa. Ele foi ao shopping ver o Papai Noel sozinho, porque ninguém mais queria fazer parte daquela palhaçada com ele. Mas, irredutível e muito convicto, ele dirigiu o próprio carro até o shopping e, pegando no livro maravilhoso que tinha comprado por sete dólares no Amazon, entrou no shopping e foi direto à fila de crianças que faziam alguma bagunça, ansiosas. As pessoas olhavam de maneira estranha aquele moço bonito com um livro de capa branca, uma linda foto da neve do pólo e o título destacando a verdadeira história do Papai Noel. Olhavam de maneira estranha, mas não se importavam muito. A maioria pensou que deveria ser um pai que estava guardando o lugar na fila até a chegada da criança, mas a fila andou e todos ficaram muito espantados quando ele foi até o Papai Noel, que se remexeu na cadeira alta e não sabia o que dizer quando o garoto, emocionado, começou a entoar canções de natal e a recitar partes do livro, elevando o mesmo, aberto, para que todos pudessem ver a Palavra que o livro trazia, a história verdadeira do homem que estava ali, à sua frente.
     Foi uma gargalhada geral. Em peso, as pessoas que estavam na fila riam e bradavam: – Louco, saí daí, fera, dá espaço pras crianças, vá se tratar!
     Mas alguns, muito poucos, mesmo, não riam. Outros começaram a avançar, estressados, para expulsá-lo logo dali, já que estavam cansados e queriam ir embora. Apenas as crianças não entendiam nada e muitas queriam se aproximar porque adoravam ouvir histórias.
     Quando percebeu que aqueles cuja intenção era jogá-lo para fora à força, ele foi recuando devagar e foi saindo, muito triste, mas ainda muito convicto, pois o livro dizia que seria assim, que muitos duvidariam do que ali estava escrito, e que ele não podia desistir apenas por isto.
     Ao chegar à casa e contar tudo aquilo para a família, estranhou o silêncio e os olhares que viu entre eles. Ouviu sussurros no quarto dos pais, à noite, mas não conseguiu entender o que diziam. E nem precisava. Todos os natais eram assim, eles sempre tentavam provar a ele que o Papai Noel não existia. Mas ele não ia se deixar enganar. Ainda mais agora que tinha o livro.
     Naquele Natal não ganhou presentes. Foi o primeiro Natal de sua vida que não ganhou presentes. E quando sua mãe, com uma cara de zoação, perguntou inocentemente o que será que tinha acontecido, ele foi mais forte que ela esperava, sacou do livro e leu a parte onde explicava que o Pólo Norte às vezes precisava de uma reforma geral para continuar funcionando e por causa daquilo, somente, eventualmente, em algum Natal, alguma pessoa poderia ficar sem presentes.
     Mais um ano se passou, e ao se aproximar o Natal seguinte, a mãe, que nunca tivera meias palavras com ele a respeito do Papai Noel, depois que ele fez dez anos, avisou: – Nada de visitas ao Papai Noel e nada de leituras daquele livro absurdo. Se isto acontecer, nós queremos você fora desta casa!
     Ele não respondeu. Sabia que ela falava sério. Mas não ia deixar que lhe dissessem como deveria viver sua vida. Já trabalhava, era dono do próprio nariz. Arrumou suas coisas e saiu.
     Nunca mais ouviram falar dele. De vez em quando, ouvem boatos de que há um louco pela cidade que pensa que o Papai Noel existe e tenta  arregimentar pessoas para sua causa, provar que os presentes são dados pelo Papai Noel que mora lá no Pólo Norte, e que usa um livro para sustentar sua ideia. A mãe sofre, claro, o carinha comum que casou com ela, também. Mas quem mais sofre é a irmã, porque ela anda muito pela cidade, ela trabalha, ela estuda, ela tem muitos  amigos e é muito popular. E sempre, sempre escuta que ele conseguiu convencer mais um, que o louco do Papai Noel está fazendo crescer o seu exército de roupas vermelhas e barba branca, e que promete revolucionar o mundo com as ideias que o livro traz, e que muitos dissabores são previstos para aqueles que não acreditarem!

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