quarta-feira, 29 de maio de 2013

3096 dias – Natasha Kampush

     Esta resenha me incita, me consome, vem de encontro a anseios há muitos tempos verificados e que, agora, com a leitura da história, vieram à tona desta forma tão premente, que já não consigo descansar enquanto não falar sobre o que li.

     A história é conhecida, eu me lembro de quando assisti à notícia na televisão, em 2006, no Jornal Nacional, acredito, sobre a incrível história de uma menina de dez anos, que havia sido raptada na Áustria, que surge oito anos depois contando como tinha sobrevivido ao encarceramento num porão de uma casa comum, numa zona residencial próxima a Viena. Um porão imundo, escuro, que tinha sido reformado e construído especialmente para abrigá-la, ou a qualquer outra que o louco que a raptou tivesse conseguido capturar.

     Mas, vamos ao livro.

     Foi escrito em parceria, ou seja, Natasha conta a história e Heike Gronemeier e Corinna Milborn, duas escritoras, respectivamente, gosthwriter e jornalista, a transformaram em biografia.

     Não tenho mais informações sobre como se deu este trabalho, mas é inegável que as impressões, os sentimentos, praticamente a alma desta jovem transbordam em todas as páginas, enquanto ela vai narrando os fatos, seus sentimentos antes, durante e depois do cativeiro.

     E é aí que começa o problema.

     O livro é muito bem escrito, tão bem escrito que consegui sentir uma simpatia imensa por todos os percalços que ela vai sofrendo ao longo dos dezoito anos de vida que são narrados. Sim, porque ela faz o relato desde a tenra infância, contando sua relação às vezes conturbada e às vezes muito normal com os pais separados, deixando bem clara a pouca afeição que a mãe parecia sentir por ela e nos indicando, assim, por que as coisas aconteceram como aconteceram. Há também o carinho especial com que ela fala da avó paterna, a figura mais maternal que ela talvez tenha conhecido em sua vida.

     E o problema, com mencionei anteriormente, é que me senti bastante inclinada a pensar como ela, a sentir como ela, enquanto vai nos descrevendo seus dias no cativeiro e a aceitação de sua condição de prisioneira e do caráter indiscutivelmente psicótico de seu algoz. Todo o tempo, ela nega sua condição de sofredora de Síndrome de Estocolmo (maiores informações, clique aqui) e realmente consegue deixar esta impressão de força e segurança. Como leitora sempre crítica, costumo ler abstraindo muito dos sentimentos dos narradores, principalmente em biografias, mas a inteligência de Natasha, seu senso de humor e sua perspicácia, sempre constantes em todo o livro, e que pode-se sentir que vem mesmo dela e não das escritoras contratadas, conseguiram confundir meus sentimentos por diversas vezes.

     Mesmo sabendo o final da história, que ela conseguiu fugir e o sequestrador suicididou-se, não consegui parar de ler e entrei madrugada dentro até chegar ao ponto final e, claro, chorar muito, profundamente comovida. No dia seguinte, ainda muito impressionada, pesquisei na internet e depois de cinco anos vi as imagens do porão e da fachada da casa e assisti a várias entrevistas que ela deu a redes de televisões européias de lá pra cá. Eu terminei de ler o livro pensando que, bem, até que sim, ela poderia ser alguém diferente e tinha mesmo podido sentir algo diferente pelo sequestrador e que nada tem a ver com a Síndrome de Estocolmo, mas à medida que minha manhã passava comecei a questionar aquela insistência dela, durante todo o relato, de se manter afastada do que ela chama de rótulo, e durante a tarde, depois de assistir as imagens desta moça linda, de saber que ela passou a morar sozinha quando saiu do cativeiro e que ainda tem problemas para sair de casa e se relacionar com as pessoas, eu chorei tudo de novo, sentindo um aperto no coração e uma impotência tão superior às minhas forças que daria tudo para apenas poder abraçar essa menina, com amor de mãe, que ela não teve. Eu fico pensando por que, em nome de Deus, a mãe dessa garota permitiu que ela fosse morar sozinha depois de tudo por que passou? Em seu lugar, eu a teria abraçado com minhas asas, que nem são tão grandes assim, e mesmo com ela me chutando e me mandando embora, eu teria ficado e ficado e jamais sairia de perto dela, até vê-la berrar descontrolada que aquele maldito era o pior de todos os malditos desse mundo e que graças a Deus ele se matou, e depois, só depois disso, eu sairia de perto, mas antes, eu sugeriria a ela que saísse um pouco de Viena, pois ela tem algum dinheiro. Que viajasse, conhecesse lugares bonitos e apreciasse a vida.

     Sim, é impossível, se o leitor for alguém assim sensível como eu, separar a leitura desta história da imagem daquela moça linda, linda, e que fica comedida, dentro da sua própria prisão, falando frases tão calmas que só parecem cada vez mais aprisionando sua alma.

     De resto, como falei antes, o livro é muito bom. A história dela é que machuca muito, porque somos todos tão… incapazes!

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